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JFRJ promove o evento “Fotografia da representatividade racial no Judiciário” via plataforma Cisco -Webex

A Justiça Federal do Rio de janeiro promoveu, no último dia 06/8, o evento “Fotografia da representatividade racial no Judiciário, com a palestra da juíza federal Adriana Cruz, titular da 5ª Vara Federal do Rio de Janeiro. A transmissão foi totalmente on line e realizada via plataforma virtual Cisco -Webex. 

 Adriana Cruz abriu o evento explicando que o racismo não se resume a uma prática intencional e individual, mas está estruturalmente vinculado à formação da sociedade brasileira. "Nossa sociedade foi organizada a partir da escravidão. Práticas racistas tipificadas no Direito devem ser combatidas, mas é importante avançar na questão, entender que, ao ficar inerte, você adere ao fluxo de perpetuação do racismo. É preciso que uma luta antirracista se fortaleça para que não apenas nós que sofremos discriminação tenhamos que reafirmar a todo tempo nossa humanidade", ressaltou.

Os números do o IBGE  (link) refletem essa situação: mesmo sendo a população negra maioria no país (53,9%), quem tem a pele preta ou parda têm menos acesso à educação, emprego, saúde e representação política. Cidadãos de pele negra também são a maioria das vítimas de homicídio e da ação letal das forças policiais. No Poder Judiciário, o abismo entre brancos e negros também impressiona: no último Censo promovido pelo CNJ, a cor da magistratura brasileira se revelou majoritariamente branca, e masculina: apenas 18,1% dos juízes se declararam pretos ou pardos; desse total, somente 6% são de magistradas negras. "Quando falamos de desigualdade racial, estamos falando de números escandalosos", declarou a magistrada.

 Na visão da magistrada, superar o racismo dentro do Judiciário envolveria uma série de ações inter-relacionadas, a começar pela problematização do próprio ensino do Direito. "Somos ensinados a pensar o Direito de acordo com uma visão monocromática, sob o paradigma do homem branco, cisgênero, heterossexual, do eixo Rio/São Paulo, mas há muitos outros sujeitos que integram o Judiciário que não estão sendo contemplados. Temos o dever moral de nos educar para termos um olhar antirracista, anti-misógino e anti-homofóbico. Esse é um comando constitucional", defendeu a juíza.

Para Adriana Cruz, as instituições que optam por aderir à pauta racial precisam ir além das boas intenções, mas estabelecer medidas concretas, como a implantação de canais de escuta destinados aos usuários externos e público interno, bem como a instalação de uma estrutura capaz de dar encaminhamento e resposta às informações recebidas. "Não basta criar totens. É preciso estar pronto para realmente escutar e responder as pessoas, mas a instituição está preparada para ser confrontada?", questionou.

 

Políticas afirmativas

A magistrada disse, ainda, que apenas a implementação de políticas afirmativas não solucionaria a desigualdade racial, mas é necessário também fazer um mapeamento atento dos mecanismos que dificultam a inserção de pessoas pretas e pardas nas esferas de poder. Uma projeção realizada recentemente pelo Departamento de Pesquisa do Conselho Nacional de Justiça apontou que, somente em 2049, todos os tribunais brasileiros terão em seu quadro funcional 20% de magistrados negros, caso o ritmo atual seja mantido. 

Para acelerar esse processo, o CNJ criou um grupo de trabalho composto por juízes de todo o Brasil, do qual a magistrada faz parte, com a finalidade de apresentar um estudo com medidas para aumentar a representatividade de pretos e pardos no serviço público. "Em relação a Justiça Federal, especificamente, só em 2030 conseguiríamos atingir o percentual mínimo de 20% de juízes negros. Mas o combate à desigualdade racial não se esgota na política de cotas, porque ela se mantém nas desigualdades que perpetuamos com os jurisdicionados. Se a sociedade é plural, um dos elementos de legitimidade do funcionamento do Judiciário é a representatividade racial", ressalvou.

 A magistrada aproveitou o momento para divulgar um chamamento público do CNJ para envio, até o dia 18/08, de memoriais escritos (link) com sugestões de medidas que promovam a igualdade racial na Justiça.

 

Letramento

Outra medida importante para combater as diversas faces do racismo, segundo Adriana Cruz, é promover a conscientização e ampliar o letramento sobre a questão. A magistrada recomendou, ainda, uma lista de autores especialistas no assunto, com as respectivas sugestões de leitura: Adilson José Moreira (livro "Racismo Recreativo"); Silvio Almeida ("Racismo Estrutural"), Lia Vainer Schucman ("Entre o encardido, o branco e o branquíssimo: branquitude, hierarquia e poder na Cidade de São Paulo"); Robin DiAngelo ("Fragilidade Branca"); Grada Kilomba ("Memórias da Plantação"), entre outros. "Precisamos ler Lélia Gonzalez, Bell Hooks, Sueli Carneiro etc. Esse letramento também passa pela nossa busca pessoal por engajamento".

 Perguntada sobre a relação entre desigualdade racial e os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, previstos na Agenda 2030, da ONU, a magistrada declarou que racismo e gênero tangenciam todos os desafios propostos pela entidade. "Não tenho como pensar pobreza no mundo sem pensar em gênero e raça. Quando tributo um produto, por exemplo, sobrecarrego uma legião de mulheres negras que estão na base da pirâmide social e que, proporcionalmente, são as que mais pagam impostos. Mesmo carregando o país nas costas, elas não fazem parte dos espaços onde são tomadas as decisões que influenciarão suas vidas", afirmou a juíza.

Ao final do evento, Adriana Cruz citou frases do intelectual brasileiro Milton Santos e da escritora afro-americana Toni Morrison, e disse que, apesar da dor, os negros precisam se ver como "potência e realização". "Trabalho em um lugar que fica a poucos metros do Cais do Valongo, onde meus antepassados foram escravizados, apenas cinco, seis gerações antes de mim. Então, penso que somos potência e realização. Os episódios de racismo que sistematicamente sofremos são uma resistência a esse poder de resiliência imensa que temos”.