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JFRJ suspende processo de reforma compulsória de militar transexual

JFRJ suspende processo de reforma compulsória de militar transexual
JFRJ suspende processo de reforma compulsória de militar transexual

O juiz federal da 27ª Vara Federal do Rio de Janeiro, Frederico Montedonio Rego, deferiu liminarmente requerimento formulado por uma militar da Marinha para suspensão do processo de reforma compulsória, bem como a retificação de seu prenome e de seu gênero, em seus assentamentos funcionais e no tratamento interpessoal no Comando da Marinha.

A autora foi considerada incapaz definitivamente pelo setor de saúde da Marinha. O laudo de incapacidade definitiva veio após o diagnóstico de transexualidade. Em suas alegações, a autora afirma que o processo de reforma se fundamenta em preconceitos arraigados dentro da Marinha em relação à sua expressão de identidade de gênero, em desrespeito aos direitos fundamentais de igualdade e liberdade e ofensa ao princípio da dignidade humana. Defende, ainda, que a decisão sobre sua incapacidade é um ato discriminatório e está sendo utilizada como punição.

Segundo informações do processo, ainda em 2017, a autora teve indeferido seu requerimento administrativo para inclusão do nome social e a alteração da identidade de gênero nos assentamentos e no tratamento interpessoal dentro da Marinha, o que contraria o Decreto 8.727/2016. O ato dispõe sobre o uso do nome social e o reconhecimento da identidade de gênero de pessoas travestis e transexuais no âmbito da Administração Pública federal direta, autárquica e fundacional.

Uma das alegações da Marinha, representada pela Advocacia-Geral da União no processo,  foi que a parte autora, ao mudar de gênero, inviabilizou sua permanência nos quadros da instituição, uma vez que não preenche nenhum requisito para compor o quadro feminino, e que não existe normativo que possibilite a mudança do quadro masculino para o feminino. Afirma que a Lei 9.519/1997 fixa limites para distribuição anual de efetivo dos diferentes corpos e quadros de oficiais.

Em sua decisão, o juiz federal explica que, pelas conclusões periciais, percebe-se que o motivo predominante dos afastamentos sucessivos, por licença médica, concedidos à parte autora, é a transexualidade, caracterizada pela identificação da pessoa com o gênero oposto ao do seu sexo biológico. Portanto, aceitar a tese da Marinha seria dizer que transexuais não podem ser admitidos no serviço militar, o que violaria o art. 3º, IV, da Constituição, que prevê como objetivo fundamental da República “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”. O magistrado afirma, ainda, que não se verificou em nenhum momento redução da capacidade cognitiva ou física da parte autora em razão da busca de sua identidade de gênero. A decisãoreconhece que a transexualidade não determina, por si só, a incapacidade laborativa, nem incompatibilidade funcional com a condição de militar da ativa da Marinha do Brasil.

Quanto ao argumento da Marinha sobre a impossibilidade de transferência entre quadros, a decisão cita a Lei 9.519/1997, que dispõe sobre a reestruturação dos Corpos e Quadros de Oficiais e de Praças da Marinha e estabelece a igualdade de direitos entre militares femininos e masculinos. A lei prevê ainda a possibilidade de alteração e transferências entre quadros. Segundo a decisão do magistrado, o Comando da Marinha conta com quadro masculino e feminino de militares, de forma que a mudança de identidade de gênero da parte autora, em princípio, não parece ser uma circunstância que impossibilite seu eventual reenquadramento funcional.