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Cais do Valongo: Justiça Federal do Rio de Janeiro determina que União e Iphan cumpram obrigações assumidas junto à Unesco

Foto do monumento do Cais do Valongo, com a seguinte legenda, escrita em letras brancas:Cais do Valongo: Justiça Federal do Rio de Janeiro determina que União e Iphan cumpram obrigações assumidas junto à Unesco
Cais do Valongo: Justiça Federal do Rio de Janeiro determina que União e Iphan cumpram obrigações assumidas junto à Unesco

A 20ª Vara Federal do Rio de Janeiro deferiu, em 13 de outubro, tutela de urgência em Ação Civil Pública, movida pela Defensoria Pública da União e pelo Ministério Público Federal, para que a União e o Iphan cumpram as obrigações assumidas pelo Estado brasileiro junto à Unesco em julho de 2017, quando o Cais do Valongo foi incluído na lista de patrimônio cultural mundial. As obrigações dizem respeito à conservação, promoção e valorização do sítio arqueológico, localizado na zona portuária do Rio de Janeiro.

 

Na ação, os autores afirmam que o Comitê do Patrimônio Mundial deliberou pela inclusão do Cais do Valongo na Lista do Patrimônio Mundial da Unesco, ao reconhecer seu Valor Excepcional Universal como “sítio de consciência, o qual ilustra fortes e tangíveis associações a um dos mais terríveis crimes da humanidade, a escravidão de centenas de milhares de pessoas, criando a maior migração forçada da história. (...) O sítio evoca memórias dolorosas, as quais muitos afro-brasileiros estão fortemente relacionados”.

 

Relatam também que, como contrapartida, o Comitê do Patrimônio Mundial estabeleceu diretrizes para manutenção do título conferido ao Sítio Arqueológico. Sustentam que, diante da responsabilidade nacional e internacional do Estado brasileiro, faz-se necessária, como etapa lógica, a instalação do Comitê Gestor para elaboração do Plano de Gestão do Sítio Arqueológico do Cais do Valongo. Nesse cenário, narram que o IPHAN, no ano de 2018, instalou Comitê Gestor do Sítio, através da Portaria n. 360/2018, reunindo os entes públicos interessados com a sociedade civil, garantindo uma administração com participação das comunidades locais. Informam, contudo, que, com a promulgação do Decreto Presidencial nº 9.759/2019, que extinguiu os colegiados da administração pública previstos em lei, o Comitê não subsistiu.

 

Em sua decisão, o juiz federal Paulo André Espírito Santo Bonfadini lembra que “em audiência de conciliação que durou mais de duas horas, o juízo tentou um consenso entre as partes. Tentou que as partes construíssem um caminho de providências, por elas próprias, para se evitar uma decisão de cima para baixo. Infelizmente, nenhum consenso houve.”

 

O magistrado menciona também que “em Proposta de Inscrição na Lista do Patrimônio Mundial, elaborada em fevereiro de 2017, o Iphan assumiu compromissos em nome da União, incluindo a criação de Comitê Gestor, com a responsabilidade de coordenar a gestão do Sítio Arqueológico e sua Zona de Amortecimento.

 

Todavia, o Decreto Presidencial nº 9.759, de 2019, extinguiu os colegiados da Administração Pública. Nesse infeliz contexto, o Comitê não subsistiu, não tendo até o momento sido comprovada a consolidação de qualquer sistema de gestão no Sítio Arqueológico ou mesmo participação social. “

 

O magistrado conclui: “Cumpre também destacar que, em suas informações, a União e o IPHAN não colacionaram as ações efetivamente já realizadas relativas à participação social na gestão do Cais do Valongo, restringindo-se a alegar a impossibilidade de restabelecimento do Comitê em virtude do advento do decreto presidencial. Por todo o exposto, entendo presente o requisito da probabilidade do direito, considerando que, em cognição sumária, foi demonstrado o descumprimento, pelas rés, das obrigações internacionais pactuadas.”  

 

A decisão determina que a União e o Iphan cumpram as seguintes obrigações, sob pena de  multa diária, no montante de mil reais, limitada ao teto de cinco milhões de reais:

 

1.      reunir e garantir, em prazo não superior a 30 dias, o funcionamento permanente de Comitê Gestor do Sítio Arqueológico do Cais do Valongo, órgão colegiado dotado de competências consultivas e deliberativas, e composto, majoritariamente, por organizações afro-brasileiras que desenvolvem atividades na zona de amortecimento do sítio, bem como pelos órgãos e instituições envolvidos em sua proteção;
 

2.      apresentar em juízo, em prazo não superior a 60 dias, cronograma de trabalho contendo a previsão, mês a mês, das medidas a serem adotadas pelos réus para dar cumprimento às demais obrigações contraídas junto à UNESCO por ocasião da inclusão do Cais do Valongo;

 

3.      apresentar em juízo, em prazo não superior a 180 dias, Plano de Gestão exigido pela Convenção do Patrimônio Mundial e pela decisão do Comitê do Patrimônio Mundial da UNESCO, a ser elaborado e aprovado pelo Comitê Gestor do Sítio Arqueológico, em conformidade com o “Manual de Referência do Patrimônio Mundial”;

 

4.      apresentação, ao juízo, de relatórios anuais contendo os resultados obtidos no período em relação às ações previstas no Plano de Gestão, até ulterior deliberação.

 

Ação Civil Pública nº 5097958-91.2021.4.02.5101